A publicação da NBR 10004:2024 pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) marca uma virada importante na gestão de resíduos sólidos no Brasil. A norma, que substitui a versão de 2004, altera conceitos consolidados há duas décadas e coloca sobre as empresas uma responsabilidade ainda maior quanto à rastreabilidade, destinação e segurança jurídica de seus resíduos.
A primeira mudança visível é a eliminação das subclasses que dividiam os resíduos não perigosos em II-A (não inertes) e II-B (inertes). A partir de agora, todos passam a ser classificados apenas em Classe 1 (Perigosos) ou Classe 2 (Não Perigosos). Essa simplificação, embora torne a aplicação mais direta, pode reduzir a precisão técnica em determinados setores que lidam com resíduos de características muito distintas. Para construtoras, indústrias de base e usinas de processamento, por exemplo, a diferenciação entre não inerte e inerte oferecia parâmetros mais específicos para a gestão operacional.
Outro aspecto central da nova versão é a incorporação de critérios atualizados para análise de risco. A avaliação de toxicidade ganhou novos parâmetros, e a presença de Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), até então não considerada, passou a ser um fator determinante. Esses avanços alinham a norma ao Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos (GHS), fortalecendo a compatibilidade com padrões internacionais. Em contrapartida, isso exigirá das empresas novos treinamentos, análises laboratoriais mais sofisticadas e revisão de procedimentos internos, o que implica custos adicionais.
A responsabilidade também foi ampliada. O Laudo de Classificação do Resíduo (LCR) passa a ser de emissão obrigatória pelo próprio gerador, com prazos de validade previamente estabelecidos. Antes, a norma não definia com clareza quem deveria emitir esse documento, o que resultava em interpretações diversas. Agora, a responsabilidade recai diretamente sobre a empresa, que terá de assumir tanto os custos quanto os riscos legais de eventuais falhas ou omissões. Isso significa que o setor produtivo precisará investir em maior rigor documental, além de mecanismos que garantam a rastreabilidade desde a geração até a destinação final.
A nova norma também exclui de sua aplicação determinados subprodutos reaproveitáveis, estimulando a lógica da economia circular. Esse ponto é visto com entusiasmo por especialistas em sustentabilidade, já que pode ampliar as possibilidades de reciclagem e coprocessamento, reduzindo a pressão sobre aterros e incineradores. Entretanto, a medida traz consigo um alerta: sem fiscalização adequada, essa abertura pode gerar brechas para o enquadramento indevido de resíduos, com risco de práticas que mascaram impactos ambientais reais.
Para facilitar a adoção, a ABNT estabeleceu um período de transição até 31 de dezembro de 2026. Até lá, tanto a versão de 2004 quanto a de 2024 poderão ser utilizadas, dando tempo para que as empresas adaptem seus processos. Esse prazo, contudo, não deve ser encarado como margem para postergação, mas sim como oportunidade de planejamento e reestruturação gradual.
Em termos de estrutura, a norma deixa de ser um documento único e passa a ser dividida em duas partes: a primeira voltada aos requisitos gerais de classificação e a segunda dedicada ao Sistema Geral de Classificação de Resíduos (SGCR), que apresenta fluxogramas, anexos técnicos e critérios de apoio. Essa reorganização deve tornar futuras atualizações mais ágeis e claras para os usuários.
Diante desse novo cenário, o setor produtivo terá de encontrar soluções para conciliar o aumento da responsabilidade legal com a necessidade de eficiência operacional. Plataformas de gestão digital, como o GLAS da Biotera, já oferecem suporte nesse processo, monitorando alterações legais, interpretando requisitos, consolidando relatórios de conformidade e até realizando auditorias de forma remota. A tecnologia, nesse contexto, deixa de ser apenas uma aliada e passa a ser peça-chave para empresas que buscam não apenas cumprir a lei, mas também se posicionar de maneira responsável perante o mercado e a sociedade.
A NBR 10004:2024, portanto, não se limita a alterar critérios técnicos de classificação. Ela redefine a forma como as organizações devem se relacionar com seus resíduos, impondo maior rigor, promovendo alinhamento internacional e abrindo espaço para práticas de circularidade. A transição exigirá investimento e adaptação, mas também representa uma oportunidade para que o Brasil fortaleça sua política de gestão ambiental, aproximando-se de padrões globais de sustentabilidade.